sexta-feira, 29 de julho de 2011

CAMPANHAS SALARIAIS

A primavera dos salários (Mercado)

Neste ano, tudo indica que a primavera terá aumentos polpudos de renda para os trabalhadores organizados
UMA DAS vantagens do regime de política monetária vigente no país desde 1999, de metas para a inflação, é a transparência quanto aos objetivos.

Sendo assim, e tendo em vista os desvios da inflação em relação à meta de 2010 e, com altíssima probabilidade, também em 2011, o Banco Central, em documentos oficiais e em pronunciamentos de sua diretoria, tem repetido que suas ações visam promover a convergência para a meta de 4,5% em 2012, e não apenas em 2013 ou em 2014, e muito menos meramente manter a inflação abaixo do limite superior do intervalo de tolerância, de 6,5%.

Para que o Banco Central e, por extensão, o governo, tenham sucesso nessa política, ou seja, consigam trazer a inflação, atualmente em 6,7%, para 4,5% até o final de 2012, será de crucial importância que a inflação dos serviços (24% do IPCA e rodando próxima a 9%) recue.

Isso, por sua vez, requer que pressões salariais sejam moderadas, o que também tem sido enfatizado pela comunicação da autoridade monetária.

Nesse contexto, não é exagero notar que o jogo da convergência em 2012 pode, em importante medida, ser jogado nos próximos meses, quando importantes categorias de trabalhadores terão seus dissídios anuais.

A temporada começa em agosto, com parte dos metalúrgicos de São Paulo, esquenta em setembro, com negociações nacionais de petroleiros e bancários, além da emblemática negociação dos trabalhadores do setor automobilístico no ABC paulista, e continua até novembro, com diversos dissídios regionais de metalúrgicos e eletricitários, e em dezembro, com os aeronautas e aeroviários -se bem que estas últimas categorias terão maior potencial para complicar as viagens aéreas de final de ano do que para afetar a trajetória da inflação.

Em 2010, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), a grande maioria (mais de 90%) dos trabalhadores sindicalizados conseguiu aumentos salariais superiores à inflação acumulada, isto é, ganhos reais de rendimentos, frequentemente da ordem de 3% a 4%.

Tendo em vista que a inflação acumulada em 12 meses tem rodado pouco abaixo de 7%, desempenho semelhante neste ano levaria a aumentos salariais em torno de 10% a 11%, bem distantes, portanto, da meta para a inflação.

As autoridades do Banco Central têm defendido que os trabalhadores pautem suas reivindicações pela inflação esperada, e não a passada, idealmente tomando a meta de inflação como parâmetro.

Nesse caso, se os ganhos reais forem mantidos, os aumentos seriam, em média, próximos a 8%.

Ocorre que dúvidas quanto ao compromisso do governo com a meta de 4,5% poderiam levar os trabalhadores a simplesmente adotar a hipótese de estabilização da inflação em patamares próximos aos atuais, o que dificultaria sobremodo a tarefa do Banco Central.

O desempenho dos salários em 2010 refletiu a exuberância do mercado de trabalho, que continuou em 2011 -a taxa de desemprego medida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) recuou de 7,3% no primeiro semestre de 2010 para 6,3% em igual período de 2011, e encontra-se próxima a esse patamar atualmente, isto é, próxima às mínimas históricas.

A julgar pelo comportamento do mercado de trabalho, portanto, a primavera terá aumentos polpudos de rendimentos para os trabalhadores organizados -a menos que os incipientes sinais de acomodação da atividade econômica se aprofundem, e o foco das negociações seja deslocado da obtenção de ganhos para a preservação do emprego.

Vale notar que, além das condições atuais e esperadas do mercado de trabalho, os dissídios serão influenciados pela perspectiva, logo no início de 2012, de elevação de cerca de 13% no salário mínimo.

O sinal emitido por esse aumento tende a dificultar a posição das correntes mais moderadas do sindicalismo, e fortalecer aquelas que defendem propostas mais agressivas de aumentos salariais.

Tudo isso tende a se refletir nos preços de ativos, em especial aqueles referentes à inflação e sobretudo na curva de juros futuros, que pode passar a exibir bastante sensibilidade diante dos desenvolvimentos do mercado de trabalho.

MARIO MESQUITA, 45, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve às quartas-feiras, a cada 14 dias, neste espaço.


 
Fonte: Folha de São Paulo

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